quinta-feira, 24 de junho de 2010

MÃES

Tenho o hábito de dizer e acreditar que o homem é descartável, enquanto homem, entendendo ser o mundo das mulheres, e desse dito tenho colhido uma diversidade de opiniões, a permitirem interessante leitura do pensamento de quem as emite e da sua postura como ser humano plantado nesta bolinha azul.
Sabendo, como sei, que quando aponto tenho pelo menos três dedos a apontar para mim, honestamente confesso,  eu próprio me sinto facilmente descartável.
Das reacções colhi uma, escrita por mulher que jamais vi, mas a quem atribuo sensibilidade e expressou a sua na medida em que entende que o mundo deveria ser das mães. Obrigado Teresa.
E aí tocou-me pela verdade do sentimento e porque olhando aqui dentro, fui bafejado por ter usufruído do carinho e da ternura de duas mães.
Uma que me trouxe à luz e tanto se sacrificou para me criar e aperfeiçoar as ferramentas do meu então débil corpo e espírito, de forma a que pudesse encarar a longa caminhada com essa panóplia de valores éticos que o seu desvelo e carinho me deixou ao partir na sua longa viagem.
A outra que me surgiu pelo caminho e,  além de mãe, foi mulher, amante, amiga e irmã e teve a coragem de me aturar umas dezenas de anos, numa época em que eu buscava algo na linha do horizonte e para lá corria, sabendo hoje que, para além daquela linha, existia apenas outro horizonte e outro, e outro ainda... e a plenitude do vazio, não havendo necessidade de tanto ter corrido naquela busca sem êxito, pois a imortalidade estava garantida com aquilo que já tinha recebido.
Depois deixou-me, chamada à longa viagem, a cumprir o que a natureza impõe.
Não esqueci porém a palavra e hoje chamo Mãe, com ternura,  àquela que me deixa partilhar dos seus tesouros, duas alminhas que, um dia, por certo, serão também chamadas de Mãe, garantes da minha imortalidade e a colher o meu sorriso lá da estrela para onde irei quando finalmente me concederem o descanso do descarte.
Para tantos amores uma imensidão de flores

terça-feira, 22 de junho de 2010

O FEIJÃO


Estar enamorado após um campeonato de vida esgotante como o meu, é algo de estranho, inquietante, talvez mesmo irreverente ou herético, por anti natura.
Porventura estas coisas parecem suceder por artes que ultrapassam qualquer mente, a confirmar o dito de que não se acredita em bruxas mas elas existem.
E o problema em questão, neste meu caso de mente racional, é tentar espartilhar amizade e amor, observando suas raízes, causas e efeitos.
Porque sim, não me enamoro dos amigos, a quem toco, abraço e beijo e deles necessito da indispensável reciproca.
Todavia o amor é por certo coisa mais intima, a pretensão louca e também irreverente de desejar unificar dois seres, fundi-los em entrega universal  e ainda fantasia mental, imaginando ser o outro aquilo desejaríamos fosse, capaz de ser capaz de trocar confidências e aberturas de alma, nem ao diabo consentidas.
E porventura a fantasia persiste, mesmo sem troca ou retorno que, a existir, complica, exacerba-se e as travessuras agudizam-se, surgindo perversos mirones que minam a relação, tais como a duvida, ciume, exclusividade, dependência, obsessão, enfim um longo séquito de malvados destruidores do afecto e da ternura.
Mas, feitas as devidas cedências, poderá suceder que esse amor então biunívoco se funda e crie uma única peça sólida e duradoura, situação quiçá rara e, não crendo nela, tenho de acreditar que existe, como no caso das bruxas.
Por mim, vou amando o amor, fantasiado, talvez por não partilhado, chegando à conclusão que o facto de não ser retribuído é a garantia de final feliz, uma vez que ao outro não é assim permitido desmentir ou desnudar a elaborada fantasia.
Ah, porquê o feijão ?
É o amuleto de dois dias em que colhi laivos de felicidade na companhia de alguém que amei (por engano) na plenitude e ingenuidade da minha fantasia.
É branco e sempre que o toco, revejo em paz esses momentos e retomo, por instantes, essas gotas de felicidade antes vividas.
Não deixem, sempre que possam, de guardar o vosso feijão.
Então isto não merece flor ?
Claro, claro, é um texto louco, mas de amor.
Ai fica.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

DORMIR

De vez em vez deparo com perguntas indiscretas, que, semelhando singeleza, obrigam a reflectir sobre o nosso complicado e fastidioso quotidiano.
À questão sobre qual a situação em que me sentia mais vulnerável, pensei um pouco e respondi, naquele meu jeito de malícia e aparente fuga à resposta: 
Quando me obrigam a jogar bridge à séria e a minha linha já completou uma partida.
Todavia, superando a brincadeira, completei: quando, enquanto alma, o meu envoltório adormece profundamente, e o espírito vai vagueando por aí nas asas do sonho.
Por isso sim, prefiro dormir sozinho ou com alguém de suprema confiança, intimidade e afinidade (coisa rara neste campeonato), pois não posso permitir danos no envoltório quando regresso do devaneio astral.
Se me e permitido, direi haver outro momento de grande entrega, porventura de total abandono, provocado pelo alienante orgasmo, brincadeira da natureza.
Contudo essa entrega e abandono, neste meu caso, baseia-se essencialmente no abandono simultâneo do outro ser, naquela cena do dar e receber, na fusão da troca.
Não existe aí perda total de consciência por nesses momentos não me permitir abandonar o corpo, prescindindo dos devaneios que a dormir me concedo.
Fico presente e empresto alguns laivos de sentido ao acto, controlando se é praticado com alguém também de suprema confiança, essa confiança e amor que nos facilita uma entrega total, sem grilhetas ou rituais.
 Bom ... Chega! Vou dormir, sozinho como convém e, daqui a pouco, penso andar aí pela galáxia, como louco, talvez visitando a minha estrela de que já vou sentindo saudade..
Claro que o texto é do coração e de amores.
Porventura, houvesse espaço, colocaria aqui um montão de flores.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A TRAVESSIA


Para trás ficou o penoso percurso.
Montanhas, desertos e mares, suas tempestades e bonanças  e  os amargos sabores da conquista e da derrota.
Alguns, sábios, débeis ou prudentes, pelo caminho se quedaram e eu, por castigo ou prémio, cumpri uma jornada extensa e eis-me aqui, neste planalto de tantas almas, à beira do grande fosso, aguardando chamada à prova final.
O imenso areal, plano, árido e gélido, o impedioso e pesado silencio que uma brisa ligeira quebra no marulhar das águas negras e sangrentas, ocaso simulado no pôr do sol da vida.
Para além do fosso o horizonte difuso a esconder o desconhecido, quiçá disfarçando o nada.
Balanceada, aproxima-se a barca e, como figura de proa, altaneira, negra e sinistra a ceifeira.
Seguir-se-á atracagem, chamada e o desejo de constar da listagem e, quem sabe, posto o pé na barca, a esperança que se esvaiam as boas e más memórias, conquistando finalmente a liberdade..
Terei de embarcar, se não por mérito no menos por ter de ser, recebendo então carta de alforria que permitirá não retornar, ao invés do que muitos acreditam e anseiam.




Não sendo de amor é todavia de cansaço.
Ou talvez de coração e também merece a flor.   Porque não ?