domingo, 29 de março de 2009

Testamento

Outro texto de amor, aqui a lugar próprio,
em vez de repousar no outro canto,
onde dormita está desde 30-07-2006



E ali estava eu com o pé esquerdo pousado naquele belo e fofo solo azul celeste, polvilhado de algodão.
Êxtase e surpresa, não tanto pela inclusa sugestão da morte, mais pela benevolência da paradisíaca sentença.
Todos vamos cometendo erros na travessia e temeroso andava pelos fogos do outro lado, que com o calor não me dou.
Logo me passou na mente a ideia peregrina de, aproveitando o momento, lá pousar o outro pé e dar uma espreitadela.
Nessa querença e com crença, meti o pé direito e no consolo de o pousar... acordei !
Acordei aos pés da cama virado.
Belisquei a coxa e doeu.
Era tudo encenação e travessura de sonho bom.
Dei a volta completa e, paciente, aguardei o regresso da alma que, de seu hábito, tardava a voltar dos devaneios nocturnos para tomar conta deste corpo e prepará-lo para novo dia que de sol era, já alto e vestido a rigor.
Não deixou de ser belo o sonho enganador.
Passe a lisonja da absolvição, não deixou também de ser aviso da certeza do evento.

À cautela, e sem descuido, irei lavrar testamento dos dois lotes que me restam:
- o dos bens, pela natureza emprestados e no percurso moderamente me serviram, vou legar a quem deles cuidar, recomendando o bom uso
- o do amor que me deram, encheu meu coração e deu luz ao tal percurso, esse, que me desculpem, decerto vou precisar e comigo vou levar

sexta-feira, 27 de março de 2009

Amor sem memória

As fotos são obséquio da Ana Honorato, "hospedeira" destas pequenas maravilhas


A força do instinto e da perpetuidade, presente em toda a vida animal, assemelha o conceito humano do amor.
É porventura um amor sem memória, limitado na função e no tempo e, sobretudo, sem preconceitos.
Tomado, entre tantos, o exemplo da galinha coquicha, aqui ao lado, criada em "casa de acolhimento", longe de campos de tortura e extermínio, por aviários conhecidos.
Digamos que, à parte algumas pequenas mordomias acrescidas à natureza, a galinha cumpriu o seu instinto, embora facilitado, nem sequer rejeitando ovos não gerados por si.
Os filhotes saídos há muito pouco do mistério do ovo, tem imediata aptidão para as agruras da vida, necessitando apenas de aprendizagem técnica na procura de alimento, exercícios de defesa e sobrevivência, tais como fuga a espécies predadoras e limpeza da farta plumagem natural e ainda, e por sua vez, predando outros pequenos seres, não esquecendo a segurança e abrigo temporário das intempéries ou temperatura sob a asa protectora.
Capacidades por ela exercidas, com total entrega e desvelo e repartidas igualmente pela prole, sem olhar a quem.
E é tão nobre o exemplo que usamos o termo de "mãe galinha" na suposta exagerada protecção aos nossos filhos.
A seu tempo, ganho o vigor e aprendizagem, seguem o ciclo individual, repetindo, repetindo, aparentemente sem preocupações afectivas, culpas, ressentimentos, nem outros futuros ou passados. E, ainda também aparentemente, vivendo a vida pela vida, ali e agora.
O conceito humano é mais elástico, complicado, duradouro, prolongado por vezes além dos limites razoáveis, na vivência de uma plêiade de sentimentos, afinal apenas morando na falível e perecível memória.
Estando tão em voga os prós e os contras, e feitas as contas, fiquei por aqui a cismar , em face do exemplo, se vale a pena ser diferente.

quarta-feira, 25 de março de 2009

A escalada

Também, também este texto é de amor, amor e desespero, embora não pareça.
Foi inserido em 05-09-2007 no outro canto.
O quadro, acrílico sobre tela 30x40 (o modelo uma foto).






Para conhecer do sentido da vida, havia-me proposto chegar ao topo.
Estou cá em cima.
As expectativas foram iludidas.
Sobre a cabeça a ilusão do azul celeste e farrapos brancos esvoaçando esbaforidos ao gélido bafo do vento.
Nem folha nem fumo.
Nem árvore, nem ave, nem o seu pio.
Afinal aquele sentido havia de ter sido retirado do desafio da escalada e durante a sua superação.
Entre a pregagem das estacas devia ter dado um compasso de espera, olhando em volta, imaginado até as árvores, as aves e os seus gorjeios e talvez até flores.
Na ânsia da descoberta esqueci o sonho, abafei-o, e resta apenas o desespero de não ter caído eu, quando perdi quem me seguia.
Ali, no topo, nada mais resta.
Vou espetar a bandeira da angustia, infeliz marco da minha presença neste lugar insólito e iniciar a facilitada descida, onde encontrarei o sentido do nada.

Amor/Amizade/Amor




Publicou a Maysha um belo texto sobre a amizade, por mim comentado, deixando uma questão.
Era ela a diferença entre amor e amizade.
Ambos os sentimentos integram algo de sublime:
abnegação, presença na ausência, entrega, dedicação e... ah... encontrei uma e se calhar única diferença.
A amizade exige em regra retorno, correspondência e daí o dito de ser amigo de seu amigo.
No amor, aí não.
Posso amar sem barreiras, até mesmo sem conhecimento do alvo desse amor.
Amar até quem não me ama, não me conhece ou me esqueceu.
Só que o amor passeado desta forma, pode exaltar-se e tem de se cuidar do seu chegado vizinho, essa coisa feia chamada de ódio que recuso olhar, sequer de soslaio.
Bom... que se desculpe qualquer coisinha, pois isto pode ser tudo conversa sem justificação, escrita enquanto o meu mp3 me delicia o espírito com as Czardas e os gemidos e exaltação do violino que o afago do arco lhe provoca...

terça-feira, 24 de março de 2009

Dádivas

O amor entre dois seres é como a moeda em equilíbrio, um só todo, faces diferentes. Há que iniciar o movimento giratório para conhecer a outra face, ceder e aceitar.
Na fusão do completo e eterno rodopio parecem iguais não o sendo.
As diferenças esbatem-se, diluem-se

sábado, 21 de março de 2009

Amor, ou falta dele



Tenho aproveitado o meu retiro para reler o outro canto.
Forma grata de rever um passado recente e reflectir sobre a dinâmica do tempo.
Este texto ali titulado "missão impossível", 24-03-2006, falando de amor ou da falta dele, vou ousar repetir para meu gozo, excepcionando o silencio.


Não resisti a colocar esta imagem.
Não terá a ver com o texto.
É contudo bela e repousante e no seu movimento assemelhará o paraíso onde decorre a pequena história de autor desconhecido, colhida num livro de humor.
"S.Pedro acolheu uma boa alma que de imediato lhe pediu ocupação.
--Toma esta colher, meu filho, e vai despejar aquele oceano.
Passados cinco mil anos a alma, missão cumprida, solicitou nova tarefa.
--Toma este garfo, meu filho, e vai aplanar aquela montanha.
Sete mil anos após, cumprida a missão, aquela alma rogava nova tarefa.
S.Pedro, já agastado, exclamou:
--Olha JESUS, se queres trabalho para toda a eternidade vai à Terra e tenta espalhar o amor entre os Homens.
Sorrimos, encerra verdade e tem graça ! Mas que é triste, não resta dúvida

quarta-feira, 11 de março de 2009

Voar... sempre



Este canto vai encerrar por tempo indeterminado pelas razões apontadas no outro canto.
Fica porém mais uma história de amor, não parecendo.
Esta dormitava desde 02-05-06 noutro lado.

PARA LHE VER O ROSTO

VOU TENTAR VOAR

DEPOIS VOLTO


Como prometido, voltei.

Não sendo voar tarefa de somenos, foi todavia o esforço compensado.

Cheguei ao topo em plena noite de luar.

Essa estranha força e a ligeira brisa, emprestavam brilho e beleza à moldura verde daquele rosto. Aqui e ali pérolas de orvalho.

Porque choras ? Perguntei.

Confidenciou-me ser a primeira vez a receber visita humana não hostil e tão próxima.

Havia visto outros, ao longe, montados em estranhas aves, lá onde não se enxerga o rosto.

Confidenciou também a dor da sua imobilidade, quebrada tão somente pelos fortes ventos.

E foi com sonho e tristeza que recordou os tempos em que, frondosa, abrigava os ninhos e as aves, seu deleite de então.

Confiou-me assim a sua solidão e o sonho de poder voar, justificando a forma estranha do seu corpo pelo esforço das vãs tentativas de o fazer.

Trocados os nossos pesares, aconchegámo-nos num doce e longo silencio.

Logo, logo, passada essa pequena eternidade, no afago da despedida, senti que se aproveitava do orvalho para disfarçar o pranto e já no solo deixei o meu abraço naquele tronco sofrido e rugoso, forte e sensível.

Prometi voltar para continuar a ligar a sua solidão à minha, quiçá ficar.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Para ti

Não me seria fácil homenagear a MULHER num dia só
Todos os dias me lembro dela
Deixo aqui a florinha
e quem a merecer que a leve

sábado, 7 de março de 2009

Tu por tudo




Water Effect by Crazyprofile.com

SE O SOL ME BEIJASSE
SE A LUA ME SORRISSE
SE O MAR SUSSURRASSE
OU
SE TU LÁ ESTIVESSES

quinta-feira, 5 de março de 2009

Fazer amor


Outro pescado do meu baú (23-09-2006)
Porque ainda assim penso
Porque de amor se trata...

Vamos fazer amor...

Coisa vulgar de ouvir, no recato de qualquer conversa intima, no autocarro, em bares, cafés e discotecas ou na invasão sistemática com que o pequeno ecrã castiga a nossa casa.
E, aprofundando a pesquisa, mesmo sem recurso ao filme porno, podemos citar algumas frases tais como:
Fiz amor:
no chão da cozinha
na banheira
no tapete
em cima da mesa
com o gato a ver
Entre uma infinidade de outras, e, até por vezes, na cama.
A moral que tiro da história:
O amor fabrica-se, sendo apenas necessário alguma imaginação e a presença mínima de dois artífices, quiçá bastando um se de génio se tratar.
Ora isto causa-me grande confusão.
Havia arrumado na minha gaveta dos conceitos, quase conclusivos, a aceitação de que o amor e o sexo pouco tem a ver um com outro.
E se, por casualidade, amarmos verdadeiramente alguém com quem temos sexo, isso terá de ressaltar da relação no período que decorra entre dois orgasmos não seguidos.
E aqui lhes digo, se o resultado é positivo, então sim é a excepção em que o amor e sexo se aliam.
Não se faz amor, deixamos fluir o amor, somos dois em um.
Na verdade teremos de aceitar que o sexo é servidão imposta pela mãe natureza que astuciosamente criou esse impulso em todos os animais (com o estimulo do prazer) como garante da renovação.
Maldosamente vamos dando a volta e usamos os contraceptivos.
Como não queremos prescindir do prazer e simultaneamente evitar a vileza, mascaramos então o acto, praticando-o abusivamente, muitas vezes, em nome do amor.
Amor é outra coisa.
O amor é dádiva.
Nasce nos lagos profundos da nossa alma e curiosamente não se fabrica.
Ou se tem, ou se é pobre!
Não quero confundir amor com sexo.
Vou manter os meus conceitos até porque também amo algumas árvores e não me vejo a fornicar qualquer delas.
E que isto não seja preconceito !

quarta-feira, 4 de março de 2009

A florinha

Esta, outra história de amor, descansava lá no outro canto desde 15-04-2007.







—Obrigada !


Olhei à volta. Ninguém.
Óptimo, pensei. Agora já não falo sozinho, ouço vozes.
E logo anotei a vantagem de abandonar o monólogo.
O obrigada repetiu-se, e, dessa vez, guiado pelo som, descortinei uma florinha amarela, repousando em berço verde nas fissuras da calçada.
— Obrigada porquê ?
— Não me pisaste. Sabes, sou filha bastarda duma lufada de vento.As minhas irmãs tem sido pisadas ou colhidas e assim fiquei só.
— Não gosto de colher nem de pisar flores.
— Como tu há poucos, por isso vivo nesse medo. Os homens são muito estranhos, mostram-se atarefados, atropelam tudo e seguem sem mostrar compaixão, correndo dum lado para outro.Será que sabem o caminho ?
— Suponho que não.
— Certa vez passou por aqui um sábio que me disse que os homens são contraditórios: Perdem a saúde para juntar dinheiro e depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. Pensam ansiosamente no futuro, esquecendo o presente e acabam por não aproveitar nem o presente nem o futuro. Vivem como se nunca morressem e morrem como se nunca tivessem vivido. É tão estranho !
— Podes crer. Acham também que praticando os rituais aliviam a sua consciência. Olha por exemplo no que toca a flores. Sem compaixão, colhem as mais belas, atam-nas em molho e depois, quer para celebrar a dor quer a alegria, oferecem beleza morta.
— Por isso vivo em pânico, ainda bem que não sou assim tão bela.
— Pelo contrário, além de seres uma bela flor, consegues também ser uma flor bela, lá onde não se vê, e, toma nota, isso entre os humanos não é fácil. Muitos não passam de encadernação de luxo em obra vã.
Pairou o silêncio e, passada uma eternidade, ela voltou a falar:
— Tu hoje foste a minha luz, o meu sol, quem me dera poder voar.
— Também gostaria de voar. É a liberdade !
— Não só. Quando o sol não viesse a mim, eu poderia ir até ele.
Chamei de novo o silêncio e afastei-me para que ela não visse o orvalho nos olhos do seu sol.